Cidades que flexibilizaram isolamento têm aumento de casos de coronavírus
Nos primeiros dias de maio o prefeito de Feira de Santana (BA), Colbert
Martins (MDB), viu que o número de casos do novo coronavírus na cidade
era muito baixo, os leitos em UTI estavam quase todos desocupados e
decidiu afrouxar as regras de quarentena impostas duas semanas antes.
"Fui liberando aos pouquinhos e quando chegou no dia das mães (10 de
maio) estava quase tudo aberto, menos bares, restaurantes e academias",
disse ele.
Vinte dias depois, Martins foi obrigado a voltar atrás diante do
crescimento repentino dos casos em 105%, segundo uma pesquisa da
Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob). Os registros de casos
saltaram de 15 para mais de 30 por dia. Hoje a cidade soma 486 pessoas
contaminadas e seis mortes pela covid-19. O prefeito, que também é
médico, diz que não se arrepende mas aprendeu a lição.
"Primeiro temos de buscar manter a vida. A economia tem que ser mantida
com investimento forte do governo federal nas empresas e no combate ao
desemprego", disse Colbert Martins.
Feira de Santana, na Bahia, não é um caso isolado. Cidades e regiões que
anteciparam a retomada das atividades econômicas registraram aumento do
número de casos do coronavírus. Um estudo feito por pesquisadores da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade da Região
de Joinville (Univile) mostra uma inclinação vertical na curva de
contaminações duas semanas depois de o governo do Estado ter
flexibilizado as regras de isolamento.
De acordo com o estudo, as projeções feitas antes da flexibilização
apontavam para um número em torno de 3 mil contaminados no Estado no
início de junho. Na quarta-feira, Santa Catarina registrou 9.660 casos
com 148 óbitos. O levantamento mostra que houve um salto de 130% de
registros de contaminação nas duas semanas que seguiram a flexibilização
da quarentena, anunciada pelo governador Carlos Moisés (PSL) no dia 13
de abril. Os números saltaram de 853 para 1.995 registros.
"A situação não está confortável como boa parte das pessoas pensa que está", disse o pesquisador da (Univile) André Nogueira.
Em Governador Valadares (MG), a prefeitura decidiu flexibilizar a
quarentena, com restrições, no dia 20 de abril, quando a cidade
contabilizava apenas dez casos de covid-19. No dia 2 de maio, o número
já havia triplicado. Atualmente a cidade registra 193 casos confirmados e
sete mortes.
Quadro semelhante se repete em outras cidades mineiras como Ribeirão das
Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, que reabriu as portas
de maneira controlada no dia 21 de abril. No dia 22, segundo a
Secretaria da Saúde de Minas Gerais, a cidade contabilizava apenas dois
casos. Duas semanas depois, no dia 7 de maio, eram 15. Até quarta-feira,
o número havia subido para 86.
Minas e Santa Catarina estão entre os nove estados brasileiros que
iniciaram a flexibilização do isolamento no final de abril dando
liberdade aos prefeitos para adotarem as medidas que acharem
necessárias.
Segundo a superintendente de Vigilância Sanitária de Santa Catarina,
Raquel Ribeiro Bittencourt, não é possível associar os índices de
contaminação no estado à flexibilização da quarentena. "Era um contexto
esperado que iria ocorrer com ou sem a flexibilização", disse ela.
De acordo com a superintendente, outros fatores contribuíram para o
resultado da pesquisa da UFSC/Univile, principalmente o aumento do
número de testes que hoje é de 700 por dia.
Raquel destacou a ênfase em medidas de educação da população como o uso
de máscaras e a estratégia de dividir em macrorregiões, que permite ao
governo manejar de forma mais adequada as ações de combate à doença.
"Temos vários municípios que mantiveram as portas fechadas apesar de o
estado ter liberado mais atividades. Além disso as pessoas estão se
cuidando. Os shoppings estão praticamente vazios, apesar das imagens de
Blumenau", disse ela.
Raquel se refere às cenas que viralizaram na internet quando da abertura
do shopping em Blumenau com dezenas de pessoas, entre elas crianças e
idosos, aplaudindo a medida.
Em Minas Gerais o governo Romeu Zema lançou na semana passada o programa
Minas Consciente - Retomando a Economia do Jeito Certo, que classifica
as macrorregiões do estado em ondas - semelhantes às fases do programa
de retomada do estado de São Paulo.
O estado decretou quarentena em 22 de março e começou a flexibilização
em 17 de abril. Agora, segundo o secretário-adjunto de Desenvolvimento
Econômico, Fernando Passalio, o objetivo é preparar Minas para o
pós-pandemia sob a ótica econômica. "Estamos fazendo uma reflexão
profunda sobre o pós-pandemia. Em breve vamos fazer um 'revogaço' de
normas (que regulamentam as atividades econômicas)", disse ele.
De acordo com Passalio, muitos prefeitos tiveram dificuldade para
entender as normas de isolamento no início da pandemia e aproveitaram a
flexibilização para liberar o máximo de atividades. "Vários municípios
estão com vida normal. O Minas Consciente é uma forma humanizada de
conviver com o isolamento."
O secretário adjunto também rejeita a hipótese de que o aumento de casos
esteja diretamente ligado à flexibilização. Segundo ele, em algumas
cidades a adesão ao programa vai significar uma retração.
Para o professor de Geografia da Saúde da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Raul Guimarães, a falta de dados
confiáveis sobre o coronavírus e o desconhecimento científico em relação
à evolução da doença indicam que a flexibilização do isolamento neste
momento pode causar prejuízos à saúde da população. "A história da
doença é muito diferente de uma cidade para outra. Ainda não sabemos
quando vamos atingir o teto."
Fonte: Correio
Cidades que flexibilizaram isolamento têm aumento de casos de coronavírus
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